O conceito de “Juiced” nos jogos

O conceito de “Juiced” nos jogos

Quando era mais nova, lembro de jogar Need For Speed: Carbon e viver ali uma das melhores experiências com videogames até então. O jogo era quase perfeito: transmitia a sensação de velocidade, a trilha sonora combinava com a atmosfera e os controles respondiam de forma precisa. Era como se aquele universo me prendesse completamente. Anos depois, após experimentar inúmeros outros jogos, percebo que o NFS tinha algo extremamente viciante, ele era satisfatório e imersivo muito disso graças a técnicas usadas para deixar o jogo mais Juiced.

O que é Juice?

O termo Juiced (ou suculento, em português) vem de um clássico artigo chamado “How to Prototype a Game in Under 7 Days” onde o autor descreve:

“Juice” was our wet little term for constant and bountiful user feedback. A juicy game element will bounce and wiggle and squirt and make a little noise when you touch it. A juicy game feels alive and responds to everything you do – tons of cascading action and response for minimal user input. It makes the player feel powerful and in control of the world, and it coaches them through the rules of the game by constantly letting them know on a per-interaction basis how they are doing.

Tradução: “Suco” era o nosso jeitinho de chamar o fluxo constante e abundante de feedback do usuário. Um elemento de jogo suculento vai quicar, balançar, esguichar e fazer um barulhinho quando você o toca. Um jogo suculento parece vivo e responde a tudo o que você faz – toneladas de ações e reações em cascata a partir do mínimo de entrada do usuário. Isso faz o jogador se sentir poderoso e no controle do mundo, e ainda o guia pelas regras do jogo, mostrando a cada interação como ele está se saindo.

Ou seja, um jogo Juiced não se trata apenas de estética, mas de como pequenas respostas imediatas elevam a sensação de impacto e imersão. É o “polimento” que dá vida às mecânicas, transformando interações simples em experiências memoráveis.

Técnicas de aplicação

A melhor forma de entender esse conceito é observá-lo em ação, mas antes, aqui estão as principais técnicas utilizadas:

Feedback visual imediato
Explosões de partículas, brilhos, flashes ou deformações rápidas quando algo acontece.

Feedback sonoro
Pequenos sons que acompanham cada ação, como aceleração do motor, pneus cantando, impacto em colisões ou até o click de um menu.

Câmera dinâmica
Tremer, aproximar ou inclinar a câmera em momentos de impacto, velocidade ou vitória para dar mais intensidade.

Animações secundárias
Movimentos extras que não são essenciais, mas enriquecem a experiência, como faíscas, fumaça, peças soltas ou efeitos no cenário.

Anticipação e exagero
Pequenos atrasos ou alongamentos nos movimentos para criar expectativa e sensação de força.

Efeitos de interface
Botões que pulsam, barras de progresso que vibram ou brilham ao encher, ícones que reagem ao clique.

Polimento na física
Ajustes para que colisões, saltos e derrapagens soem mais “divertidos” do que realistas, priorizando a sensação de controle.

Exemplos em jogos:

> Menus

Muitos jogos aplicam juice já na interface inicial. Ícones que pulsam, botões que mudam de cor ao passar o mouse ou que afundam ao serem clicados tornam a navegação mais prazerosa. Ainda pretendo escrever um post apenas sobre interfaces gráficas, mas o essencial aqui é entender que a aplicação dessas técnicas já no menu principal aumenta a imersão do jogador, preparando-o para entrar no universo do jogo.

Balatro, Felix the Reaper, Dishonored 2 e Kirby Star Allies são ótimos exemplos de títulos que utilizam esse conceito em seus menus. Em especial, recomendo experimentar o Balatro, entre os últimos lançamentos que joguei, talvez seja o jogo que aplica esse conceito de forma mais constante.

E para quem quiser se aprofundar, fica a dica de dois sites com uma enorme seleção de interfaces para explorar: Interface In Game e Game UI Database. Ambos reúnem exemplos de menus, HUDs, inventários e diversos outros elementos de UI de centenas de jogos, servindo como uma referência riquíssima para analisar estilos e buscar inspiração.

> Plataformers 2D

Nos plataformers, o juice é praticamente obrigatório para manter o ritmo dinâmico e dar satisfação em cada salto ou colisão. Efeitos de partículas, pequenas deformações no personagem e sons rápidos tornam até a ação mais simples, como pular ou bater em um inimigo, algo prazeroso e recompensador.

Aqui estão alguns exemplos de jogos que aplicam essas técnicas com maestria:

Celeste – Cada pulo gera partículas e efeitos de câmera, reforçando a sensação de precisão.

Super Meat Boy – O movimento rápido do personagem é acompanhado por animações exageradas e sons caricatos, deixando a repetição das tentativas divertida.

Rayman Legends – Usa música, partículas e animações fluidas para dar vida a cada fase, principalmente nos níveis musicais.

Hollow Knight – Combina screenshake, partículas e sons atmosféricos que deixam o combate e a exploração extremamente satisfatórios.

Vale destacar que Hollow Knight: Silksong tem ocupado grande parte do meu tempo livre, e escrever este post nesse período tem sido uma experiência de aprendizado incrível. Que jogo bom!

> Jogos de corrida

Nos jogos de corrida, o juice potencializa a sensação de velocidade e controle. Cada detalhe da câmera que vibra em colisões até o som do motor que responde às mudanças de marcha contribui para tornar a experiência visceral. O jogador não apenas dirige: ele sente o impacto de cada curva, derrapagem e aceleração.

Inclusive, quando comparamos jogos de corrida com foco no arcade e aqueles com foco na simulação, percebemos que em muitos casos os efeitos de juice fazem falta. Nos arcades, o exagero visual e sonoro reforça a diversão imediata, transformando cada ação em espetáculo. Já nas simulações, por priorizarem realismo, esses elementos costumam ser reduzidos, o que pode deixar a experiência mais fria, mesmo que tecnicamente precisa.

Aqui estão alguns exemplos marcantes:

Need For Speed: Carbon – Distorções visuais de velocidade, trilha sonora intensa e efeitos de câmera que reforçam colisões e ultrapassagens.

Mario Kart 8 Deluxe – Vibrações de controle, sons caricatos e partículas coloridas deixam a experiencial casual ainda melhor.

Forza Horizon 5 – Une realismo com juice, trazendo câmera dinâmica, efeitos sonoros detalhados e resposta visual imediata a cada interação (trocar marcha e escutar o carro responder a isso é incrível).

> Shooters e ação

Nos jogos de tiro e ação, o juice é o que torna cada disparo, impacto e explosão extremamente satisfatórios. Sem ele, atirar seria apenas um cálculo de dano invisível; com ele, cada bala ganha peso, cada acerto gera resposta e cada combate se transforma em espetáculo.

Aqui estão alguns exemplos:

DOOM (2016) – Sons graves, screenshake, partículas de sangue e animações rápidas fazem cada tiro parecer devastador. O jogo inteiro vibra com o ritmo frenético da ação.

Overwatch – Cada herói tem efeitos sonoros e visuais próprios: tiros, recargas e habilidades soam e brilham de forma única, deixando a identidade de cada personagem clara.

Call of Duty: Modern Warfare II – Feedback de câmera, som de recarga realista e impacto das balas dão peso e intensidade aos combates.

Fortnite – Mesmo sendo cartunesco, abusa de partículas coloridas, efeitos sonoros caricatos e vibração, mantendo cada confronto divertido e caótico.

Podemos citar ainda diversos outros exemplos, que vão dos mais casuais, como Candy Crush, com seus doces explodindo em cascatas de partículas e efeitos sonoros chamativos, até os mais técnicos, como Satisfactory, em que máquinas e esteiras possuem sons e animações detalhadas que tornam a tarefa de construir fábricas muito mais satisfatória.

Recomendo também assistir ao vídeo “Juice it or lose it – a talk by Martin Jonasson & Petri Purho”. Nele, os autores demonstram na prática, ativando e desativando recursos em um jogo estilo Breakout.

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